terça-feira, 9 de junho de 2009

O Conto do Macaco e a Banana

Era uma vez, numa floresta não muito distante e não muito estranha, um pequeno e inocente macaco, que acabara de nascer. Seria um macaco como muitos outros, não fosse o estranho costume dos macacos daquela floresta de alimentarem-se de fezes.

O pequeno macaquinho, frágil e ignorante, passou a comer fezes como todos os outros macacos. Achou estranho no início. Afinal, recém-nato, não conhecia outros alimentos.

Provou a iguaria com desconfiança. O gosto também não lhe agradou muito. Mas, como todos os outros macacos também a comiam achou que ele também deveria comê-la.

O tempo passou. O pequeno macaquinho transformou-se num grande macaco. Durante as inúmeras refeições, percebeu que às vezes as fezes vinham mais moles; outras vezes mais consistentes. Às vezes com um odor mais forte; outras vezes com uma coloração diferente (até azul!) Chegou à conclusão de que embora particularmente não considerasse as fezes um alimento agradável, estas fizeram com que ele crescesse e se tornasse um macaco adulto: por pior que fossem, cumpriam de forma aceitável o seu papel.

Tudo corria na mais serena tranqüilidade até o dia em que um macaco visitante lhe ofereceu algo diferente: uma banana! A banana, explicou-lhe o visitante, era um alimento nutritivo e saboroso. Esta observação não foi aceita sem um grande sentimento de insegurança e dúvida.

Impelido pela insistência do visitante, o nosso amigo macaco foi obrigado a provar a banana. Teve a mesma reação de uma criança ao experimentar uma fruta diferente: rejeição. E com esta rejeição passou a fazer comparações de forma a desprezar a fruta.

“Eu NÃO gosto de banana.” “A banana é muito ruim de comer, pois é preciso descascá-la. As fezes já vêm prontas para comer.” “O cheiro da banana é diferente, por isso eu NÃO gosto.” “A banana é muito consistente. Particularmente eu gosto quando as fezes vêm mais cremosas.” “A banana é sempre amarelinha. De vez em quando as fezes vêm azuis.” Estas foram algumas das considerações do nosso amigo macaco sobre o alimento novo (a banana) e o seu alimento usual (as fezes).

Provavelmente esta teria sido a primeira e última vez que o macaco provaria uma banana, mas a insistência paulatina do visitante fazia com que em cada visita o macaco degustasse da fruta. Passados alguns dias, o macaco foi obrigado a render-se a alguns atributos da banana.

“Pensando bem, a banana não é ruim. É verdade que é preciso descascá-la, mas o seu sabor é muito mais agradável.” “Estou notando que a banana me dá mais energia, e eu consigo executar mais rápido as minhas atividades.” “Acho que a banana cheira melhor que as fezes, mesmo quando já estão pretas.” “As bananas começam verdes, tornam-se amarelas e depois ficam pretas. As fezes chegam a ficar azuis.” Estas foram as novas reflexões do macaco sobre as vantagens da banana.

Um dia o macaco percebeu que a banana era muito melhor que as fezes. Perguntou-se então como poderia ele não ter conhecido a banana antes. Perguntou-se também como os outros macacos podem comer fezes se são tão ruins. Decidiu então a partir daquele momento alimentar-se somente de bananas, que possuíam muitas vantagens sobre as fezes. Passou também a divulgar as vantagens percebidas por ele aos outros macacos, de modo a convencê-los a ao menos experimentar as bananas.

O nosso amigo macaco foi capaz de experimentar algo diferente. Este algo diferente foi estranho, mas depois de experimentá-lo ele pôde perceber o tempo que fôra perdido ao simplesmente ignorar as bananas. Talvez nós como pessoas e profissionais devêssemos tentar experimentar as bananas que estão disponíveis ao nosso redor; ou passar o resto de nossas vidas comendo fezes.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Loucura

O amor resolveu convidar os amigos para tomarem um café em sua casa.

Todos os convidados foram.

Após tomarem café, a Loucura propôs:

- Vamos brincar de esconde-esconde?

- O que é isso? - Perguntou a Curiosidade.

- Esconde-esconde é uma brincadeira em que eu conto até cem e vou procurar. O primeiro a ser encontrado será o próximo a contar.

Todos aceitaram, exceto o Medo e a Preguiça.

1,2,3… a Loucura começou a contar.

A Pressa se escondeu primeiro, em qualquer lugar.

A Tímidez, tímida como sempre, escondeu-se na copa da árvore.

A Alegria correu para o meio do jardim;

já a Tristeza começou a chorar, pois não achava um local apropriado para se esconder.

A Inveja acompanhou o Triunfo e se escondeu perto dele, debaixo de uma pedra.

A Loucura continuava a contar e os seus amigos iam se escondendo.

O Desespero ficou desesperado ao ver que a Loucura já estava no noventa e nove.

- Cem! – Gritou a Loucura.

- Vou começar a procurar.

A primeira a aparecer foi a Curiosidade já que não aguentava mais, querendo saber quem seria o próximo a contar.

Ao olhar para o lado, a Loucura viu a Dúvida em cima do muro, sem saber em qual dos lados se esconderia melhor.

E assim foram aparecendo, a Alegria, a Tristeza, a Timidez…

Quando estavam todos reunidos, a Curiosidade perguntou:

- Onde está o Amor?

Ninguém o tinha visto.

A Loucura começou a procurar. Procurou em cima da montanha, nos rios, debaixo das pedras e nada do Amor aparecer.

Procurando por todos os lados, a Loucura viu uma roseira, pegou um pauzinho, começou a procurar entre os galhos, e de repente ouviu um grito.

Era o Amor, gritando por ter furado o olho com o espinho.

A Loucura não sabia o que fazer.

Pediu desculpas, implorou pelo perdão do Amor e até prometeu serví-lo para sempre.

O Amor aceitou as desculpas.

Desde então e até hoje…

“O amor é cego, e a loucura sempre o acompanha.”

quarta-feira, 11 de março de 2009

Coração Magoado, LEO MARQUES

Meu amor vejo em ti traços
de muitas outras paixões.
Mas meu coração pode sentir
A dor das tuas desilusões.

Despedaçaram o teu coração
Em ninguém consegues confiar
Meu amor vejo em ti traços
Do quanto precisas de amar.

Teu jeito inquieto de olhar
Olhar intenso de grande dor
Dentro de minha alma entrar
Recusando por receio meu amor.

Vejo muito amor para dar
No olhar triste da tua dor
Quero para sempre te amar
Aceita em teu coração o amor.

segunda-feira, 9 de março de 2009

AMOR

Você sabe o que é o Amor? Não?
Então me pergunte.
Pergunte-me e eu lhe direi tudo,
Porque ninguém mais do que eu
Pode saber o que é o Amor.
Pergunte-me e eu lhe direi que amei, amei...
Amei inconseqüentemente,
Amei incondicionalmente.
Quer mesmo saber o que é o Amor?
Então, espelhe-se em mim.
Olhe para meu semblante,
Analise o meu olhar.
Percebeu? Eu sou sereno,
Meus olhos estão sempre a brilhar.
Sabe por quê?
Porque quando tantos se perderam em desavenças,
Eu estava firme a amar, amar...
Amei todas as mulheres que me deu o destino,
Amei-as sem nada pedir,
Assim, como se todas fossem meninas.
Ainda quer saber o que é o Amor?
Então, faça um poema,
Escreva uma canção;
Esqueça o que se perdeu,
Acolha o que já ganhou...
Viu? Foi tanto que a vida lhe deu,
Que agora você já sabe o que é o Amor.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O PRIMEIRO BEIJO Clarice Lispector

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.

(In "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998)